quarta-feira, 2 de novembro de 2016

"Assim se viveu no Sobral sobre uma ditadura “presidencial”"... história contada por Maria Alexandrina Reto

foto: arquivo C.M. Sobral. M. Agraço


Estávamos no ano de 1942 e, numa noite muito quente de Julho, houve cinema na Praça Dr. Eugénio Dias, projectado na parede do Solar dos Condes de Sobral. O Teatro Eduardo Costa estava fechado por degradação e o Cine-Teatro era só um projecto.

A nossa praça nessa época tinha como plantas ornamentais árvores de frutos, ameixoeiras; os frutos quando estavam maduros eram apanhados e distribuídos pelas escolas, mas muitos eram desperdiçados porque caíam de maduros. Acabou o filme e cada um regressou às suas casas tranquilamente, mas a noite não foi tranquila porque alguém se lembrou de surripiar as ameixas. 

Na manhã seguinte, a vila foi acordada por um grande burburinho: todos os homens que tinham estado na Praça na noite anterior foram notificados para irem à Câmara(Paços do Concelho) prestar declarações e muitos foram presos, principalmente aqueles que faziam oposição ao Administrador do Concelho.Toda a Vila viveu um pesadelo, com os seus homens ameaçados, presos e multados. Conforme iam sendo interrogados todos se disseram inocentes, mas não lhes valeu de nada, ou pagavam a multa ou continuariam presos… e assim a pouco e pouco todos foram pagando a multa. Só permaneceu preso o Afonso Flor, o maior adversário da política de Zeferino da Silva, negando-se terminantemente a pagar a multa… Por que teria de o fazer se não tinha tocado nas ameixas?

As irmãs preocupadas com a sua saúde, temendo pelo irmão, por ele ser doente e a cadeia não oferecer condições de higiene e ser muito húmida, foram à socapa pagar a multa. Ao fim de cinco ou seis dias lá saiu ele, mas pensando que os tinha convencido da sua inocência! … Só muito mais tarde soube que lhe tinham pago a multa.

Este assunto foi falado anos e anos a fio, as pessoas sempre indignadas, e claro que era o Administrador do concelho o alvo das críticas, mas esta era também a sua táctica: não foi esta a primeira nem a última perseguição, ele trazia as pessoas controladas pelo seu poder. Os habitantes da vila davam largas à sua imaginação a pensar quem realmente teria apanhado a fruta… Se alguém sabia nunca o tornou público, com medo de represálias.

Sessenta anos depois, estava eu no meu trabalho e entrou um cliente para comprar vinho: era um sobralense que já não vive no Sobral há muitos anos e que naturalmente me cumprimentou. E como conversa puxa conversa, veio à baila a acção do Senhor Zeferino da Silva, o dito Administrador do Concelho,por ser tão ditador e não respeitar os seus munícipes. “Ainda não serias nascida, mas deves-te lembrar de ouvir falar do caso das ameixas” - disse-me ele. Sim, lembrava-me perfeitamente de ouvir falar, mas nunca se soube quem as teria “roubado”. Este roubado está entre aspas porque nunca foi considerado um roubo, só a maldade dos homens o considerou: as ameixas estavam num espaço aberto, seriam da população, e ainda por cima a maior quantidade caía no chão de madura. Contou-me então esse Sobralense que ele e mais uns outros, na altura garotos de treze e catorze anos, se lembraram de apanhar as ameixas nessa noite. Fiquei estupefacta… foram precisos tantos anos para que eu soubesse o que realmente se tinha passado e penso que muita gente, inclusivamente os da minha família, morreram sem saber a verdade dos factos.

Lembrei-me então da fábula do lobo e do cordeiro, em que o lobo acusou o cordeiro de lhe turvar a água. Como podia ser, se o lobo é que estava mais perto da nascente, disse o lobo: “Se não foste tu foi o teu pai!” E assim o lobo teve justificação para cometer a carnificina, e comer o pobre do cordeiro. No Sobral passou-se o mesmo: os pobres inocentes cordeiros sofreram com a prepotência de um homem, culpando-os e multando-os por um acto que até poderia ter algo de grotesco, e de que se fez uma tragédia.

Este Senhor fez durante muitos anos o papel de lobo e tinha a seu lado “carneiros” dispostos a acusar os pobres dos cordeiros. Assim se viveu no Sobral sobre uma ditadura “presidencial”

Texto:  Maria Alexandrina Reto

1 comentário:

  1. Ainda hoje há gente desta, uma maneira de cobrar impostos , hoje tem ordem de aumentar os IMI,s sempre ganham mais e mais cedo pois é em Abril que eles ganham para ir de férias

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