Texto: Maria Alexandrina Reto foto: site da C.M. Sobral M. Agraço |
A Feira dos Santos da minha infância era uma feira de grande dimensão, tanto no número de feirantes como no de visitantes: a estrada do Sobral até Almargem ficava todo o dia repleta de gente e de animais. Uns que iam, outros que vinham…Os lavradores abastados usavam a sua junta de bois para o seu trabalho agrícola e, quando achavam que eles já não eram necessários, ou porque já estavam velhos, ou porque já não davam o rendimento esperado, e também porque nessa altura já tinha acabado a campanha para que estavam destinados, aproveitavam para negociar a venda dos bois na Feira dos Santos. Alguns voltavam para a casa do dono, por não terem tido comprador…
Os bois vinham todos enfeitados de fitas vermelhas, verdes e brancas, presas de chifre a chifre, e caíam de cada lado da cabeça. O abegão trazia-os à mão, puxados pelas rédeas: o homem, com o seu barrete no alto da cabeça, com uma mão segurava as rédeas e com a outra segurava o aguilhão que lhe descansava no ombro. De vez em quando “aconchegava” o aguilhão no lombo dos animais. A estrada alcatroada fazia com que os cascos dos bois escorregassem e, como normalmente vinham aos pares dificultando ainda mais a deslocação, chegavam a cair de joelhos. E assim era todos os anos, a história repetia-se, era uma grande feira de gado. Vinham compradores de muito longe, muitos negociantes. Com saudade recordo o meu avô, com o seu barrete preto e o cigarrito ao canto da boca, a puxar a junta de bois do patrão; vinha de S. Domingos de Carmões até Almargem, a pé, conduzindo-os. O patrão vinha mais tarde na sua charrete. Mas não eram só bois que se vendiam na Feira, também se vendiam cavalos e burros, porcos, cabras, ovelhas…Os regatões aproveitavam para vender a criação e os ovos.
A atração mais popular da Feira eram as barracas de comida, onde se comia a bela da fritada. As cozinheiras eram especializadas neste tipo de comida, por ser uma tradição; e talvez também pela liberdade de se comer sem preconceitos, sabia tão bem… Ainda hoje em muitos lares da Vila e dos lugares limítrofes se come, no dia 1 de Novembro, a fritada de carne de porco. A água-pé nova era provada sempre na Feira e acompanhava a comida. Muitos, quando regressavam da feira, já não vinham “sozinhos”!...
Os frutos de inverno, nozes e castanhas, eram vendidos em grandes quantidades. Os sapateiros expunham o seu calçado e os mercadores de fatos prontos a vestir (já os havia nessa altura, mas só nas feiras ou mercados e era produto de qualidade inferior), tinham-nos expostos em cabides, assim como as samarras e as capas alentejanas. A roupa interior de homem, os barretes, chapéus e bonés também eram comercializados. Como tinham acabado as vindimas, e o trabalho de lagar ou estava quase pronto ou já pronto, o povo sempre tinha mais algum dinheirito… Os pais aproveitavam para comprar calçado e roupa para os filhos.
Em campo aberto viam-se os cântaros, alguidares e outros artigos em barro, até miniaturas. Os brinquedos à venda eram em madeira ou folha, os únicos que havia na época. Os ouvires expunham os seus ouros em expositores de veludo e presos com alfinetes à lona das barracas… Outros tempos! Lembro-me muito bem do Sr. Batista, um ourives ambulante, que vinha frequentemente à Feira.
O movimento começava de madrugada e acabava já noite escura
A pouco e pouco foi rareando o gado, as máquinas substituíram os animais, as pessoas começaram a utilizar outros meio de transporte. Os automóveis invadiam a Feira; já na década de sessenta, os autocarros andavam em constante movimento a transportar as pessoas de e para a Feira, e por vezes era mais rápido ir a pé do que de transporte motorizado. Continuou ainda por muitos anos a ser uma feira muito visitada.Hoje é bem diferente, embora se mantenham ainda algumas das características da feira da minha infância. Os vendedores e compradores de hoje é que já não têm nada que ver com aqueles que eu então via, e que faziam da Feira… uma verdadeira feira.
Embora a feira tenha um cariz diferente é interessante que ela se mantenha.
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